sexta-feira, 11 de junho de 2010

São João - Inovações nos Terreiros do Maranhão

Rosa Reis, Dona Teté e Caixeiras - olhar atento da matriarca durante ensaio do Cacuriá


Ensaio do Cacuriá de dona Teté no Laborarte

Acertar o Passo Para Não Perder os Significados

Ao som de Caixas do Divino batidas a partir de uma mistura do carimbó paraense com ritmos locais, acompanhadas por cavaquinho e violão, e sob olhar atento da “matriarca” dona Tetê, 86 anos, músicos e dançarinos se esforçam para diante das inovações que se apresentam a cada ano nos arraiais, manter a tradição do folclore junino do Maranhão.

“Quem não sabe, não atrapalha, senta e olha!”, com essa frase, Luana Reis, jovem coreógrafa do Cacuriá, filha dos artistas maranhenses Rosa Reis e Nelson Brito, comanda o ensaio dos novos passos do grupo Cacuriá para a temporada junina 2010. A frase é também uma metáfora perfeita do sentimento de artistas de grupos tradicionais do São João maranhense em relação a novos grupos que surgem incrementando suas apresentações, muitas vezes banalizando o ritual.

Surgido em 1986, no Laborarte, o Cacuriá de Dona Teté popularizou músicas e passos sensuais e tornou-se atração obrigatória nos arraiais da capital. Mas dona Teté, que dançou, tocou caixa e cantou por anos no Cacuriá de Seu Lauro, antes de criar seu próprio grupo, não vê com bons olhos o que novos grupos fazem. Para ela, eles não são fiéis ao sentido da brincadeira: “Eles só fazem as coisas que eu faço”,diz. Avaliando os grupos mais recentes, Tetê afirma: “Eles rebolam demais e a gente dança”.

ACERTANDO O PASSO
Rosa Reis, diretora do Laborarte (Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão) e cantora do cacuriá desde a fundação, concorda com dona Teté. Segundo ela os novos grupos acabam saindo da sensualidade e caindo em outra coisa. “A palavra imoral seria forte demais, mas o que fazem às vezes choca quem está assistindo. Alguns grupos acabaram banalizando determinadas coreografias”,diz.

Entre os brincantes das manifestações mais tradicionais existe a admiração mútua, Dona Teté, por exemplo, revela seu respeito pelo boi sotaque da Ilha: “O Boi da Maioba é do meu coração, abrindo e fechando”. Conta ainda que sua neta Amanda, dança no Tambor de Crioula. Segundo a avó, uma Teté no futuro, embora ninguém da família tenha permanecido no grupo que a hoje tataravó mantém.

Se para Dona Teté e Rosa Reis as novas brincadeiras que surgem a cada ano estão desvirtualizando a tradição, para Mestre Apolônio, referencia na cultura maranhense, 92 anos, dos quais 86 dedicados ao bumba-meu-boi: “tradição não se reelabora e não se muda”. Apolônio critica a reelaborarão do enredo tradicional e expõe a banalização da musica e da dança, onde os brincantes enfocam apenas a sensualidade.

Em geral, os artistas tradicionais ressaltam a longa trajetória traçada para conseguir o respeito da sociedade pela tradição cultural do São João: agrupamento de músicos, confecção e aquisição de instrumentos, criação de associações ou entidades culturais representativas, montagem de um repertório e invenção de traços próprios que os diferencie dos demais. Todos esses passos, sem perder o caráter primordial: fé e tradição.

O Boi de Apolônio ou Boi da Floresta, como é reconhecido nacional e internacionalmente, zela por sua postura conservadora das tradições culturais do sotaque da Baixada no Maranhão. Este sotaque faz referência às regiões que integram os campos da baixada maranhense que compreende os municípios de Viana, São Bento, Penalva, Cajapió, Pindaré, São Vicente de Férrer, São João Batista e povoados.

COMPREENDER O ENCANTO
O caminho para a continuidade do reconhecimento e afirmação das manifestações folclóricas nos tempos atuais é pesquisar e compreender os seus significados. Perguntado sobre o futuro da tradição do bumba meu boi, Apolônio afirma: “Não quero estar aqui para ver a brincadeira de bumba-meu-boi perder sua tradição e seu encanto”.

Em junho começam as primeiras apresentações das brincadeiras juninas do Maranhão. Grupos tradicionais e grupos alternativos, digamos, inovadores, estarão na programação dos arraiais locais. Apresentações começando cada vez mais cedo e terminando mais tarde, assim como o prolongamento do festejo até o mês de julho, comprova que a paixão pela dança e a música junina se renova e a tradição deve se manter viva.

Mas o comando de Luana Reis continua valendo, mesmo depois do ensaio, para os grupos que desejam aventurar-se pelo universo junino com inovações: “Quem não sabe, não atrapalha, senta e olha!”.

FICARÃO NA HISTÓRIA

D. Teté: matriarca fundadora de um dos grupos de cacuriá mais antigo da ilha, o Cacuriá de D. Teté. Do alto dos seus 86 anos e já com a saúde fragilizada, Teté comanda os ensaios e participa de todas as apresentações do grupo com olhar atento e voz altiva.

Rosa Reis: cantora e compositora maranhense, tem 21 anos de carreira solo e também é uma militante da cultura popular. Integra o grupo de instrumentistas e o vocal no Cacuriá de Teté, além de compor a direção do Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão (Laborarte).

Mestre Apolônio: com 92 anos de história, contribuiu para fundar vários grupos de bumba meu boi de sotaque de matraca (ou da Baixada), é amo-fundador do Boi da Floresta. Um grupo reconhecido nacional e internacionalmente pela sua postura de guardião das tradições.

Texto: Amanda Aguiar, Lena Machado e Marcus Saldanha
Fotos: Marcus Saldanha

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