quarta-feira, 16 de junho de 2010

Entrevista com Celso Borges

Celso Borges: A Posição da Poesia é Oposição
A primeira entrevista do Blog Marcus Historico é com o poeta, jornalista e compositor maranhense Celso Borges. Autor de livros-CDs, o artistas faz apresentações que misturam poesia, música, cinema, fotografia e artes plásticas. Belle Epoque, seu mais recente trabalho, a parceria com Zeca Baleiro e a intranquilidade do poeta-jornalista são destaques na conversa com o jornalista Marcus Saldanha. Segue um perfil do artista reconhecido por manter hasteada a bandeira da poesia.


BLOG - Belle Epoque, o seu mais recente trabalho publicado, surge da intranquilidade do poeta-jornalista. A ideia já surgiu poemúsica?

CB -Meu processo de criação e elaboração do conceito de um livro é relativamente demorado. Dura de um a três anos, da primeira idéia até a execução do projeto, ainda mais quando ele envolve outras pessoas. Belle Époque é minha terceira experiência no formato livroCD, completamente diferente das duas primeiras: XXI (2000) e Música (2006). Decidi promover uma espécie de anti-diálogo entre o livro impresso e o disco, fazendo duas coisas opostas em vez de complementares: um livro com 50 poemas, vários deles longos, uma hemorragia de palavras e versos; e um CD, que dei o título de Quase, em que basicamente dialogo com o silêncio, uma forma de me calar depois de tantos poemas ‘vomitados’ no livro. O trabalho é também uma provocação àqueles que esperavam um novo CD com poemas musicados. Quis quebrar essa expectativa.

BLOG - Na Akademia dos Párias, grupo de artistas dos anos 80 em São Luís, você era chamado de “Santo Expedito”. Celso Borges faz juz ao apelido?

CB - Santo Expedito não é aquele das causas impossíveis? Talvez porque eu nunca desisti de fazer projetos, publicar livros, juntar pessoas em torno de uma idéia, de um trabalho, de estar sempre incentivando e acreditando na poesia como um combustível essencial pra vida.

BLOG - O "Prefácionão" de Belle Epoque foi escrito com muita competência pelo escritor e guitarrista maranhense Reuben Cunha. Nas apresentações ao vivo os textos convivem com as performances do DJ paulistano Otávio Rodrigues e projeções de fotos-imagens. Como é essa relação da poesia com guitarras, bateria, samplers e fotografia?

CB -Na verdade, minhas leituras de palco, nos projetos A Posição da Poesia É Oposição e no show Celso Borges e os Restos Inúteis, este último durante o lançamento do Belle Époque, têm pouco a ver com as performances que fiz junto com o DJ Otávio Rodrigues, no projeto Poesia Dub, em São Paulo. Neste, trabalhamos com trilhas prontas, acompanhados de baixo e percussão. Nos dois primeiros, o formato já é mais de banda com projeções de imagens no fundo do palco. Tenho uma relação muito profunda com a música, o cinema, a fotografia e também as artes plásticas. Misturar tudo num mesmo caldeirão é um desafio que me interessa bastante e cujo resultado me deixa muito feliz e pleno.

BLOG -Cultura Digital é um tema que te interessa?

CB - Eu me interesso pela cultural digital, mas confesso que ela me confunde um pouco, me atordoa. Tentarei me aproximar mais desse universo nos próximos anos, mas quero fazer isso com segurança e estabelecendo diálogos com pessoas que possam, de alguma forma, derrubar esses muros que nos separam.

BLOG - Belle Epoque é um trabalho do século XXI que ironiza a cidade de antigamente, "muito pior" você diz no poema A Saudade Tem Seus Dias Contados. Ainda vivemos os restos da Belle Epoque do século XIX? Que cidade é essa que vivemos?

CB - É claro que não vivemos mais na Belle Époque do século XIX. Felizmente. Não tenho dúvidas de que aquela era uma época pior em muitos aspectos. A idealização do passado é um erro grosseiro, que nos imobiliza. Mas é um desafio também descobrir, no mundo de hoje, com suas misérias sociais e existenciais, uma possibilidade de criação que nos motive a acreditar que realmente a saudade tem os seus dias contados.

BLOG - Você morou muitos anos em São Paulo e mesmo de volta a São Luís não abandona a ponte aérea. Zeca Baleiro, Rita Ribeiro, Alê Muniz e Luciana Simões, e muito antes, Ferreira Gullar e José Louzeiro também ganharam reconhecimento quando produziram fora da Ilha. O exílio é necessário para uma produção criativa de qualidade?

O exílio não é necessariamente imprescindível para uma criação de qualidade. Muita gente não consegue escrever ou criar nada longe do seu ninho. A minha vivência, de morar em outro lugar, foi muito estimulante. Qualquer movimento pra mim é combustível novo. O sair da rotina, viver outro espaço físico, com pessoas diferentes, é uma farol, um raio que me ilumina. Até mesmo porque ao ficar distante temos uma visão privilegiada do lugar de onde viemos. Além disso, São Paulo, onde vivi 20 anos, é uma cidade fascinante, tanto a sua complexidade física, urbana, quanto a sua diversidade cultural.

BLOG - A parceria com Zeca Baleiro já rendeu letras de canções, poemas e até um programa de rádio. É uma parceria de sucesso, não?

Discutamos então o conceito de sucesso. Com relação ao mercado, nenhum. Quase não ganho dinheiro com as minhas criações. É claro que eu gostaria de ganhar, mas isso nunca veio no primeiro plano. O sucesso como motor de tudo é quase sempre uma doença, o câncer da modernidade. Derruba 90% dos artistas, tanto os que querem obcecadamente fazer sucesso, como os que ao atingi-lo não conseguem dar mais um passo a frente, criativamente. Estão presos à rede da evidência, da super exposição, do status. Quero ficar longe disso. Prefiro dialogar com mil pessoas, que contribuam criticamente para o meu crescimento como artista, do que ter o aplauso de cem mil que me puxam para o abismo, repetindo elogios redundantes. Zeca é um grande parceiro, de mais de 20 anos, um cúmplice na forma de ver e sentir o mundo. Nesse sentido é uma parceria de sucesso, porque comunga verdades e sentimentos que acreditamos.

BLOG - Ao seu redor novos artistas e jornalistas trocam idéias e opiniões. Você percebe essa capacidade de agregar novos artistas e jornalistas?

CB -Acho que as pessoas, artistas, jornalistas, sentem de alguma forma ou se comovem ao me ver com a bandeira da poesia e da arte sempre hasteada. Gosto de fazer projetos em que interajo com outros artistas, estimulo possibilidades de diálogos e o prazer de fazer isso.

BLOG -Fiquem intranquilos é sua frase de despedida. O que exatamente isso quer dizer?

CB -A inquietação, o desequilíbrio e a intranqüilidade são motores indispensáveis para a criação. Por isso, quando me despeço de alguns amigos desejo isso também a eles, para que a chama da criação não se apague e não fiquemos acomodados, distribuindo a torto e a direito o leite azedo da felicidade. Minha felicidade é outra.

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