segunda-feira, 26 de abril de 2010

Minicursos: Rumos Literatura

Flávio Carneiro (foto: Divulgação)

Heloísa Buarque de Hollanda (Foto: Divulgação)

Amanhã e depois (27 e 28), das 14 às 19 hs estarei participando de dois minicursos que recomendo: "Literatura na Era Digital" ministrado pela escritora e professora Dr. Heloísa Buarque de Hollanda e "Crítica e Ficção no Brasil: Uma Leitura do Presente", ministrado pelo escritor e roteirista Flávio Carneiro.

Os minicursos estão sendo promovidos pelo Projeto Rumos - Itaú Cultural e serão realizados no auditório Rosa Mochel, no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho.

Até lá.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Em Primeira Mão

Capa: Garcia Jr. da Imagética
O segundo livro está a caminho e marca uma dessas felizes parcerias que fazemos na vida. Há muitos anos num ônibus de São Luís conversava com o professor de arte e design gráfico Garcia Junior sobre o livro que estava escrevendo. Ele gostou da ideia e comprometeu-se a fazer a capa e o projeto gráfico.
Passou tempo e acabei perdendo o texto original numa dessas panes de computador. Mas a ideia persistiu. Numa das tarefas escolares, minha filha usava um texto de Dráuzio Varella sobre as memórias do Brás em São Paulo, bairro que ela nunca viu na vida. Aí então decidi reescrever o livro. Fora isso, Garcia precisava de uma produção inédita para cumprir um trabalho da especialização em Design Gráfico. Aí então se reestabeleceu a parceria. O público alvo é a garotada, mas os pais na casa dos 30 e 40 anos vão gostar de ler com/para seus filhos.
O trabalho que vocês vêem em primeira mão está sendo avaliado pelo designer André Stolarks e deve sofrer várias alterações, assim como o texto. Se tudo correr bem, lanço o livro ainda em 2010. Em breve posto um trecho do livro para vocês opinarem, por enquanto palpitem sobre a capa e visitem o site da Imagética.
Texto: Marcus Saldanha

terça-feira, 20 de abril de 2010

Confirmados na FLIP 2010

Véspera da FLIP 2009 , na entrada da Tenda dos Autores

A Festa Literária de Paraty (FLIP) 2010 já tem data marcada. Por causa da Copa do Mundo não será realizada em julho, como de costume, mas de 4 a 8 de agosto. Na sua 8a edição, sai Manuel Bandeira e entra o sociólogo Gilberto Freyre. A escolha do homenageado que primeiro analisou a constituição da sociedade brasileira sob perspectiva positiva deve render debates acalorados em meio ao clima de Copa do Mundo e de aceleramento econômico.

Este ano, além do compromisso de postar no Blog Marcus Historico, escreverei semanalmente para um jornal lmaranhense, notícias quentes, reportagens e notas sobre os debates literários, fatos inusitados e dicas turísticas da cidade de Paraty e seus arredores. Em 2009 a presença do cientista ateu Richard Dawkings, do escritor, cantor e compositor Chico Buarque e da artista plástico Sophie Calle deram o que falar. Com a programação de 2010 ainda em construção, alguns nomes já prometem. Confira abaixo quem já confirmou presença na Tenda dos Autores:

- A escritora norte-americana e colunista do jornal britânico "The Guardian", Lionel Shriver.

- O sociólogo e ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, autor do prefácio da edição mais recente de Casa Grande e Senzala e de diversos textos sobre Gilberto Freyre estará na mesa de abertura;

- O historiador Roberto Darton, especialista em história francesa do séc. XVIII, autor, dentre outros, do clássico "O Grande Massacre dos Gatos e Outros Episódios da História Cultural Francesa";

- A iraniana Azar Nafisi, autora de "Lendo Lolita em Teerã" e o recente "O Que Eu Não Contei". Nafisi tem dado muitas palestras e escrito sobre os direitos humanos das mulheres e meninas iranianas. Esteve por semanas na lista de best-sellers com seus livros;

- O crítico cultural materialista britânico Terry Eagleton, autor de "Teoria da Literatura";

- O escritor William Boyd, membro da sociedade Real de Literatura Inglesa;

- O escritor israelense Abraham B. Yehoshua, autor de entre outros "A Mulher de Jerusalém", "A Noiva Libertada", "Viagem ao fim do Milênio" e "Shiva";

- Salman Rushdie, escritor e historiador indiano, mais conhecido por "Versos Satânicos" de 1988, quie rendeu-lhe importantes prêmios e uma sentença de morte promulgada pelo Aiatolá Khomeini.

- O irlandês Cohen MacCann como seu mais recente romance que trata do 11 de setembro.

Até final de junho fecham a programação e começam as vendas de ingressos que geralmente são esgotados no primeiro dia. É uma correria para garantir um lugar na festa literária que transforma Paraty. Após o Mochilão de julho estarei lá.
Texto e foto: Marcus Saldanha
Fonte: Fundação Casa Azul

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Minha Via Sacra no Anjo da Guarda

Na Praça da Ressurreição o VII e último Ato do espetáculo que durou quatro horas e percorreu mais de um quilômetro pelo centro do bairro do Anjo da Guarda.

Jorge Smith (Jesus) comemorando com o diretor Waldemir Nascimento. Uma semana de ensaio e o risco de não encenar por falta de patrocínio.

No corredor da Reflexão (VI Ato), Jesus ouve a história do grupo Grita: 29 apresentações da Via Sacra e formação de centenas de profissionais na àrea Itaqui-Bacanga, entre atores e técnicos da arte dramática, capoeira, audiovisual e outros.


Multidão nas sacadas e na rua ao redor de Verônica (Luanna de Oliveira) que exibe o Santo Sudário na Av. Odylo Costa Filho (V Ato).


A intersecção com o audiovisual em dois momentos do espetáculo: no primeiro momento na Praça do recanto da Paixão (I Ato) onde são exibidos emocionantes relatos de jovens profissionais formados pelo Grupo GRITA e no segundo momento durante a condenação de Cristo na Praça do Anjo (IV Ato). No filme de 3 minutos, Jesus é castigado na Fonte do Ribeirão e as carrancas jorram sangue.


Jorge Smith, indiscutivelmente,"é o cara". de braços abertos segue o ritmo do afoxé na presença marcante do Centro de Cultura Negra na Via Sacra do Anjo da Guarda.



Milhares se espremem para ver O IV Ato na Praça do Anjo. O grupo Grita promove mais que o maior teatro de rua gratuito do Brasil, valoriza e respeita o cidadão de uma área com mais de 100 mil habitantes que tem sua estima aumentada nesse período com imagem positiva perante a mídia e os visitantes que recebem de várias localidades da Ilha, do interior do Maranhão e do Brasil.




Uma das cenas mais fortes e marcantes no II Ato, na Avenida Dinamarca: o possuído, interpretado por Renato Porto.


Acompanhado pela batucada do grupo Kambalacho do Ritmo, Jorge Smith (Jesus) posa para foto com criança. São os flagrantes mais esperados pelos fotógrafos de plantão que querem a capa do jornal do dia seguinte.



O que não se faz por uma foto? Esse é Gilson Ferreira, repórter fotográfico do Jornal Pequeno e morador da área Itaqui-Bacanga. O camarada mais experiente, deu todas as dicas da Via Sacra, inclusive a de encarar o sopão e permanecer junto com o grupo da imprensa. Eu realmente não fazia ideia do tempo e da distância percorrida. Segundo ele, o trabalho dos fotógrafos desse ano foi gratuito.


Inusitado encontro de Jesus com os tambores do Kambalacho do Ritmo



Solidariedade de Páscoa: os carrascos de Jesus desatolam o táxi numa travessa da Avenida Dinamarca.


O povo de Jerusalém, ecletismo ao extremo: enquanto seguiam de um ato para outro, os figurantes mantinham a animação cantando "Vem sereia, da ponta D´areia..."



Na sala de maquiagem, anexo ao Teatro Itapicuraíba, coletei as principais informações sobre o espetáculo. Nesse flagrante, o ator Jorge Smith chora a morte de seu avô, falecido naquela manhã aos 90 anos de idade, enquanto se prepara para viver Jesus pela décima vez. O ator já havia declarado que a encenação seria feita mesmo sem patrocínio. Um exemplo de profissionalismo e resistência cultural no teatro amador do Maranhão.


Ainda no no anexo do T.I. o "Santo Sopão" é distribuído para as mais de 1.600 pessoas envolvidas diretamente no espetáculo entre elenco, produção, apoio e técnica.


Os apóstolos posam para uma foto na saída da sala de maquiagem.


Eu e Moacyr Amaral de Sousa, 48 anos, técnico de produtos químicos inflamáveis na cidade de Goiânia. Viajou 26 horas e 30 minutos numa moto de 300 cilindradas até São Luís para viver um dos carrascos de Cristo. Das 29 apresentações da Via Sacra, só perdeu 3. Era a grande figura dos bastidores.


Moacyr fez questão de posar ao lado de sua "poderosa" companheira de estrada.



O simpático ator Auro Jurucié viverá José, pela primeira vez representado na Via Sacra, cujo tema é: "Uma Escola de Arte". Franca homenagem aos artifices e seus ofícios. Logo na cena de abertura os artesãos, pintores, pedreiros, carpinteiros, operários serão homenageados no diálogo de José e o pequeno Jesus (Iuri Moreira) sobre a importância do trabalho para o homem.


Ângela Galvão prepara a professora do Departamento de Lestras da Universiddae Estadual do maranhão, Bárbara que prepara uma tese de doutoramento na Universidade de Burgos na Espanha sobre as Artes Cênicas. Há dias ela acompanha e registra a preparação da Via Sacra no bairro.


Este sou eu sendo preparado pela estagiária de Comunicação do Grupo Grita, Leny Alves. Que trabalho demos para essa moça fotografando por vezes em locais e momentos indevidos: ossos do ofício.

Obs. Fotos e Texto de autoria de Marcus Saldanha só poderão ser reproduzidas se creditadas a autoria e com premissão do autor.


A História de Como Entrei na Via Sacra


A pauta era acompanhar a Via Sacra do Anjo da Guarda. Só isso. Dias antes da matéria conversei com uma ex-aluna do Ensino Médio do bairro sobre os ensaios. Ela disse pelo MSN: "Vamos precisar muita sorte. Foi uma semana de ensaio e estamos errando muito". Estava claro, as dificuldades do grupo de por na rua a 29o edição do espetáculo. Através dela fiz o contato com a direção e coordenação de comunicação do Grupo Grita.

Na primeira apresentação de 2010 (quinta-feira) estava lá, primeiro para escrever sobre, depois para fazer parte da encenação. No ano em que os artífices e ofícios foram homenageados fiz parte de um grupo de trezentos figurantes, acompanhando Jesus desde o I Ato na Praça do recanto da Paixão até a Praça da Ressureição. Da maquiagem até o instante final. Se a penitência expia os pecados, após 5 horas de caminhada caracterizado de povo de Jerusalém com uma máquina fotográfica na mão e duas lentes, estou com indulto temporário, justo e fruto de muito suor. Senão salvo de todo mal, com uma carga espiritual mais leve. Recomposto para contar como vale a pena o ato de fé e vontade de atores, técnicos e, sobretudo, da união de uma comunidade.

I ATO - O Convite Inesperado

Cheguei umas quatro horas da tarde. A ideia era acompanhar os bastidores da encenação. maquiagem, montagem dos cenários , caracterização dos atores, entrevistar moradores, a pauta básica. Nessa hora os cenários ainda eram finalizados nos sete atos que compõem o espetáculo. O céu nublado era motivo de preocupação e era impossível conversar com a alguém da direção. Resolvi dar uma volta a mais pelos cenários. Os policiais recebiam instruções próximo ao palco em que Jesus seria condenado por Pilatos. Martelos, pregadores de rebites e vassouras faziam a cena. Os banheiros químicos estavam a postos. A companhia de energia tentava impedir o atraso da apresentação fazendo os últimos ajustes. A ordem era: mais iluminação nas ruas e menos nos cenários.
A sala de maquiagem ainda estava vazia e dentro do Teatro Itapicuraíba, o movimento era intenso, mas calmo. Seria o de sempre: esperar Jesus ser maquiado, entrevistá-lo, pegar uma fala do diretor Waldemir Nascimento que assumia o espetáculo pela primeira vez. Mas eis que o inesperado acontece. Gina, da equipe de comunicação do Grupo Grita muda tudo e nos convida: "Vocês não querem fazer parte da encenação? Tenho roupas sobrando aqui."

O que dizer nessa hora. Minha experiêcia em atuação é zero. mal fiz parte de algumas quadrilhas juninas na adolescência. Não tinha ideia de nada do que aconteceria. Mas Gina insistiu: "vai dar para fazer fotos. Melhor fotografar e escrever de dentro do espetáculo". Era a senha. Topei. Ângela ia ajudar nas trocas de lentes, ela de salto plataforma e eu de All Star. Vale ressaltar que são sete Atos espalhados por mais de um quilômetro do bairro.

II ATO - Uma Grande Estrutura

Deixei de lado o trabalho da companhia energética, a entrevista com os soldados que chegaram mais cedo, a observação direta da logística. Esatava dentro, fazendo parte do espetáculo. Um entre trezentos figurantes. Torcia mais do que nunca para que a nuvem negra que sinalizava chuva fosse embora. Como seria minha primeira encenação? Ver para crer!
Já são 17:30, espero minha roupa na administração do TI. Pergunto sobre o início da apresentação. - vai atrasar, problemas de iluminação, respodem. Estou nitidamente ansioso. Há sons de tambores ecoando de dentro do Teatro, descubro que são do grupo Kambalacho do Ritmo e do Centro de Cultura Negra do Maranhão. A música eletrônica já foi desligada. O risco de chover é cada vez menor e a equipe da organização se comunica através de rádios. Estão devidamente uniformizados com camisas pretas. Logo percebo que há camisas vermelhas fluorescentes para a equipe de recepção, responsável pela entrega de folders e orientação do público. Começo a me dar conta que há uma grande estrutura envolvida no evento.

Muitos ex-alunos estão por ali. Os quatro anos lecionando na área Itaqui-Bacanga me deixam mais à vontade no que se transforma numa longa espera.

Por ali, descubro a razão dos "soldados" chegarem mais cedo. Haverá uma reunião. Eles farão o isolamento do público com os atores durante a encenação nas ruas. As crianças também chegaram. este ano, elas terão dois momentos de destaque na apresentação cujo tema é " Uma Escola de Arte". Converso com algumas, estão mais tranquilas que eu. A medida que vai escurecendo os personagens em seus trajes começam a aparecer no teatro. Vejo alguém com uma manta no corpo e um véu na cabeça. Imagino que a minha será uma dessas.

III ATO - O Meu Quartel General

Volto para maquiagem, lá será o meu QG. Não demora para surgir minha primeira história. Moacyr Amaral de Sousa, 48 anos, técnico de produtos químicos inflamáveis. Cria do Anjo da Guarda, Moacyr mora em Goiânia há 25 anos e segundo ele acompanhou de perto o acidente com o Césio 137 em Goiânia, por sorte não fora contaminado. Me conta sobre a fundação do Grupo Grita e que nesses 25 anos de apresentação, só não esteve presente em três. Fiel ao seu personagem de carrasco, esse ano veio de moto até São Luís num total de 26 hs e 30 min de viagem. "Muitos vem para cá ganhar dinheiro. Eu venho para levar a cultura do Maranhão, do meu bairro que ajudei a construir para Goiânia." Conhcendo Moacyr, começo a entender a relação que a Via Sacra tem com a auto estima de um bairro que surgiu das cinzas de um incêndio no bairro do Goiabal, centro da cidade, e que se fez não com as promessas políticas que demoraram a ser cumpridas na década de 60, mas com luta popular. Uma comunidade de mais de cem mil habitantes que tem se fortalecido num processo político, social e identitatório cultural através da relação com grandes projetos econômicos instalados ali e a resistência intelectual de poetas, sambistas e agora atores e técnicos do teatro.


IV ATO - Virando Personagem

Ali mesmo no QG recebo e visto minha roupa. Me sinto um farsante naquela túnica quente. Descubro que não estou só. Começam a chegar outro: são fotógrafos que camuflam suas lentes por baixo das túnicas. A quantidade deles sinaliza a chegada de Jesus. Antes dele, o sopão é servido. Fotografo José, figura simpática, depois Maria e as odaliscas. O repórter fotográfico do Jornal Pequeno me dá todas as dicas: - fica por perto, fica junto. Não tira a roupa da figuração senão os soldados te tiram da apresentação. A grande foto é a de Jesus, tem que tirar a melhor foto de Jesus. E toma a sopa.

Recuso, mas vou me arrepneder disso, horas mais tarde.

Todo mundo espera Jesus, eis que o ator Jorge Smith chega. Ele é mais alto que parece, tem cabelos e barbas naturalmente longas, olhos verdes e caracteriza muito bem a imagem cristã ocidental pós Renascimento que temos de Cristo. De camisa preta e coroa de espinho na mão, passa o texto com outros atores enquanto espera a maquiagem. A professora Bárbara, do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão pesquisa Artes Cênicas pela Universidade de Burgos, na Espanha. Está pertinho, atenta a tudo, com caderninho na mão. Pede fotos dele e dela para a tese de doutoramento. Já Jesus segue sereno para maquiagem. Enquanto insisto nos closes, percebo que chora.-"Acho que já chorei tudo que tinha que chorar", confidencia com o maquiador.

Descubro que o ator perdera seu avô de 99 anos naquela manhã. Além disso, já era fato a dificuldade financeira que o grupo havia atravessado para por de pé o espetáculo deste ano. Feita a maquiagem, Jorge Smith (Jesus) posa para fotos, passa novamente o texto, comunga do sopão e aguarda o momento de entrar em cena.

V ATO - Chegou a Hora! Vamos Nessa!

Gina anuncia que é hora de tomar o posto no primeiro ato. Vamos descendo até a Praça Recanto da paixão. Há uma multidão de espectadores e figurantes. Não demoro a localizar profissionais de comunicação entre eles. Em sua túnica Edgar Rocha fotografa o espetáculo. Mas sigo ao lado do meu guia, Gilson Ferreira. Morador antigo da área Itaqui-bacanga e repórter fotográfico do Jornal Pequeno, Gilson me aponta bons ãngulos, palpita sobre o o ISO adequado, o uso ou não de flash. na verdade estou desatento as explicações. Me excita o clima de animação entre os figurantes. Quando o espetáculo começa não caio no personagem. Fotografo aquelas pessoas, busco o inusitado naquela multidão.

Fico emocionado com a abertura feita num telão com depoimentos dos "Prata da Casa" que hoje atuam, documentam e/ou coordenam o espetáculo. O que virá será o desafio de narrar a mesma história contada há milhares de anos de forma diferenciada. Pela abertura, suponho que usarão o que têm de melhor: experiência e suas próprias histórias na comunidade.

VI ATO - Atos Inusitados

Correndo de um cenário para outro percebo a fama de Jorge Smith, o reconhecimento e o respeito que tem da comunidade que o aceita há dez anos no papel de Jesus. Se acena como Cristo, a comunidade sente-se santificada; se pega uma criança no colo, os fotógrafos o iluminam com flashs; se tira o manto, as moças falam de suas pernas; se posa para para fotos, é como um ídolo que vai parar no orkut de alguém.

De forma peculiar, Jesus segue do III para o IV Ato acompanhado pela batucado do Kambalacho do Ritmo e a dança afro do Centro de Cultura Negra. Chega a esboçar passos de afoxé. E o povão caracterizado segue a Via sacra apropriando-se do cântico do compositor maranhense Escrete, também entoada por uma torcida maranhense nos estádios de futebol: "Vem sereia, na ponta D´areia..."

Estou na farra: danço, canto, fotografo, escrevo, caminho atento aos batentes da Avenida Dinamarca com fôlego. São apenas 19:40.

Numa das travessas da avenida um táxis atolado. Jesus assiste aos seus carrascos solidários fazerem força e desatocar desatolar o carro. O cortejo segue.

Eram 23 horas quando Jesus ressuscitou. Estávamos todos exaustos: calos nos pés, as mãos endurecidas após 457 cliques fotográficos e dezenas de troca de lentes. Não choveu, que sorte! Mas o calor que fez.... Por muitas vezes andei lado a lado com Jorge Smith (Jesus), observava ao seu redor uma aura de cumplicidade com a equipe do Grupo Grita, e sobretudo, com a comunidade. Talvez aí resida o seus mistério da fé, renovado todo ano a vada olhar que troca com o público presente, com a imprensa, com a equipe de atuação e organização. Nos olhamos por várias vezes até sua ida ao calvário. Entre fotos posadas e casuais, destaco aquela em que Jorge Smith alheio a sua própria dor da perda de um ente querido, na sua condição de simples mortal, encarnou o divino, o sagrado com a dignidade que um profissional deve ter e para além disso, o compromisso de fé que tem com sua comunidade.
VII ATO - Ordenar as Ideias e Escrever

Fogos de artifício e feitos especiais celebraram a ressureição de Cristo. Antes, o enforcamento de Judas e as carrancas da Fonte do Ribeirão sangrando durante o castigo de Jesus já haviam me impressionado. Onde falta apuro técnico sobra vocação para manter um espetáculo a céu aberto com mais de 700 pessoas envolvidas por 29 anos seguidos de apresentação. Com competência, humildade e força de vontade o grupo GRITA pela sua comunidade.

Por horas fiz parte desse espetáculo. Fui um deles no ofício de reiventar dramas. Fiz parte de algo que deu certo pela experiência de anos repetir o ato, o feito, mesmo que mudando a forma de narrar.

Fui mais que um espectador, fui figura na cena de grandes homens que ousaram recriar contra tudo e todos o milagre da reivenção do homem na sua fé em si próprio.
Sentado no computador, por dias, por horas, sozinho. Foi-se muito mais que o tempo gasto para percorrer toda a Via Sacra, muito mais suor e desgaste penetrando surdamente no reino das palavras. Escolhendo as fotos certas para fazer jus ao trabalho não só de um apresentação de teatro de rua de um grupo amador, mas de 27 anos de árdua luta pela valorização da comunidade do Itaqui-Bacanga. Caros amigos Waldemir Nascimento, Gina Lisboa, Lenny Alves, Alex Sandro Rocha e Jorge Smith em nome de quem saúdo toda a equipe de coordenação do Grupo GRITA. Nada do que eu fizer aqui grita metade do volume que merece o trabalho de vocês. Creio muito mais nos homens hoje que ontem. Vocês fazem parte disso.

Se permitirem, entro na gang dos bons anjos da guarda dessa gente de bem do Itaqui-Bacanga.

Texto e fotos: Marcus Saldanha

Todo texto, parte dele ou fotos só poderão ser reproduzidas creditando a autoria e com a permissão do autor.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

De um teatro para outro

Ângela Moura em Olympia
O comovente espetáculo "Cabul"

No domingo corremos para o Teatro Alcione Nazareth no centro de Criatividade Odylo Costa Filho, mas já era tarde. Os ingressos para o espetáculo Olympia já haviam sido distribuídos. Fiquei por ali, indo e vindo, farejando uma desistência, um ingresso perdido. Com olhar de cachorro pidão rodeava os desconhecidos da fila em busca da recompensa. Deu certo, Fátima di Franco compadeceu-se. Já tinha um ingresso, faltava mais um. Continuamos nossa azaração. O escritor Wilson Marques desistiu da longa espera, do calor, mas agraciou Eduardo Júlio (poeta e fotógrafo). Não desisti. No rabo da fila apelei à organização da V Semana de Teatro. Um ingresso em troca de fotos. Não foi preciso. Entramos.
Queria muito ver a representação da vida de uma moradora de rua de Ouro Preto que entretinha turistas famosos e anônimos com suas, digamos, verdades inventadas. No monólogo Olympia, levado à frente pela mineira Ângela Moura, atriz e personagem se encontram no palco, se revelam e se escondem em suas verdades e mentiras.

Final do espetáculo cumprimenta-se, elogia-se, fotografa-se a atriz e corre-se para o Teatro Arthur Azevedo para a apresentação de Cabul. Ingresso no mão, parecia que seria fácil dessa vez. Que nada! Formou-se a fila, longa espera, veio a chuva. Fomos para o saguão, calor, princípío de tumulto na entrada - Cuidado, olha as idosas na fila, não as machuquem!

Da primeira fila, como de costume, fruimos, sorvemos a música tocada antes e durante o espetáculo do canto do palco, os atores nos emocionando com a interpretação de afegãos em meio a turbulenta instalação das leis talibãs que reprimiram a liberdade humana no final do séc. XX naquele país. Uma boa história, bem contada, com primorosa fotografia e iluminação. Não tem erro! Cheguei a me sentir um bom fotógrafo. Toda cena bem enquadrada na Nikon era um sopro de poesia vindo do palco em nossa direção.
Na volta para casa, Fátima ganhou carona em meio ao temporal. A tempestade de raios e trovões era alheia a chuva que caía no meu céu, no meu telhado lavado pela audácia da criativa mente humana. Senhores do teatro, não parem de escrever e de inventar verdades. Elas me emocionam, me comovem, me sensibilizam.

Texto e fotos: Marcus Saldanha