GUARAMIRANGA É MUITO MAIS DO QUE DIZEM
Valeu viajar mais de 2 mil kilômetros, enfrentar as curvas da serra do baturité, dormir no carro, encarar o frio de 15 graus e a chuva. Guaramiranga, interior do Ceará é muito mais do que dizem.
Na ida, 1.050 kilômetros de São Luís passando por Parnaíba, Chaval, Sobral, Maranguape, Palmácia, Pacoti até Guaramiranga. É o caminho mais curto, porém
perigoso, devido às curvas na subida da serra. Mas valeu pela passagem no bem-estruturado Y-Park (Complexo Turístico Ypióca), no município de Maranguape.
Em Guaramiranga, quase
No Teatro Rachel de Queiroz, na quadra municipal ou nas ruas. Um carnaval com estilo, bom gosto e muita história para contar.
MUSEU DA CACHAÇA
Na BR 116, na altura do município cearense de Maranguape fica o Y-Park, com o Museu da Cachaça. Excelente infra-estrutura de turismo de campo, com área de lazer, restaurante e museu. Ideal para um programa em família.
No Museu da Cachaça (foto) acompanhamos a história de quatro gerações da família Telles de Menezes, desde o pioneiro Dario Telles de Menezes, imigrante português que desembarcou em Fortaleza em abril de 1843 até a atual administração. Na didática e cronológica montagem dos cenários acompanha-se em cinco salas e áreas externas um resumo da imigração portuguesa para o Brasil, o início da fabricação da cachaça no engenho, o início da expansão pelo Ceará, a introdução da garrafa de 600 ml, um estudo sobre os rótulos, o papel da mulher no comando engenho e a atual modernização do grupo Ypióca.
A Sala 01 ilustrada com excelentes painéis, exposições de moedas e patacas dos séculos XVII e reprodução de cenas de engenhos. A cachaça estava aliada ao processo de dominação colonial, servida logo de manhã para os escravos ganharem ânimo para o árduo trabalho. Retrata a chegada dos portugueses ao Brasil até 1843 quando o engenho é construído.
Na Sala 02 (1843-1895) A história da apropriação e compra do terreno, construção da Casa Grande e uma réplica do alambique de cerâmica vindo de Portugal onde foi feita a primeira cachaça da fazenda.
Na Sala 03 (1895-1924), a força da mulher cearense evidencia-se através da figura de Dona Eugênia Menescal Campos que assumiu o fabrico da cachaça por 13 anos, após a viúves. É dela o rótulo original da garrafa que se vende até hoje e a idéia de usar garrafas de 600 ml. Destacamos ainda o sino, que da fazenda foi enviado para a Paróquia de Santo Antônio de Pitaguari por Dona Eugênia numa promessa feita durante um incêndio na plantação de cana e depois retomado para a Casa Grande, originando a lenda, que ao se tocar o sino, casados se separam e solteiros nunca casam.
Na sala 04 (1924-1970), o uso de tonéis de bálsamo para armazenar a bebida, mudando a cor e o sabor durante a gradação, técnicas modernas de administração (exibidas em manuscritos da época) o uso do gazonênio (feito a base de cascas de árvore e carvão vegetal) durante a 2ª Guerra Mundial como combustível para os veículos da fazenda, fotos antigas de caminhões transportando tonéis e os diferentes rótulos utilizados pela Ypióca. Representa a industrialização e início da expansão da cachaça pelo Brasil e pelo mundo “Ypióca: Delicioso Whisky Nacional. Velho 10 anos”
E na última sala (1970- atualidade) estão expostas garrafas da Ypióca, destaque para a edição francesa (garrafa de cristal) e a consolidação da Ypióca como um grupo empresarial composto de 7 empresas no Ceará e Rio Grande do Norte atuando em ramos variados, como embalagens feitas do bagaço da cana, transporte e outras. São 20 mil funcionários diretos e indiretos. Éa modernização com responsabilidade social e ambiental.
Visita-se ainda a sala dos maquinários importados nos anos 40 dos Estados Unidos e Inglaterra (O primeiro trator importado a entrar no Ceará está lá), uma rápida passagem por uma instalação de canavial com som artificial de trabalho no corte da cana, passando pela sala da mitologia grega onde descobre-se a origem nome aguardente/cachaça (tipo de vinho feito da borra de uva desde os egípcios e gregos, finalizando pela visita aos tonéis de destilação da aguardente de
Além dos carros de bois e engenhosde cana do período colonial na entrada do museu e do maquinário utilizado na época de funcionamento da fábrica na região (atualmente a produção é feita em Ceará-Mirim no interior do Rio Grande do Norte), vale tirar uma foto ao lado do maior tonel do mundo (
Essa visita não estava prevista no roteiro, mas valeu a pena. E antes que eu esqueça: cachaça e aguardente é a mesma coisa, o último é usado no rótulo das garrafas para dar requinte a popular,e agora mundial, bebida.
Para ir mais longe:
1. Livro escrito por Zé Leite, antigo administrador da fazenda : Ypióca – 1846-1996 – Sua História, Minha Vida;
2. Ypióca 160 anos. A saga de uma família. A história de uma paixão. O segredo de uma lenda.
ESPORTE DE AVENTURA NO PARQUE DAS TRILHAS
Bem pertinho do centro de Guaramiranga fica O Parque das Trilhas Ecoturismo. Lá opta-se por trilhas de 30´ ou 1 hora. Durante a caminhada pela Mata Atlântica, flores típicas como a pacavi e informações sobre pássaros nativos como o Pica-pau e o João de barro, além, é claro, do Guaramiranga (que na língua Tupi significa, “pássaro vermelho”). Fizemos a Trilha do Cipó e da Judite.
No fim das trilhas chega-se a área de aventura com opções de rapel, tirolesa, ponte de três cordas e caiaque.
Lá conhecemos o Tiago, guia do Parque, que “salvou a pátria”, nos alugou um quarto e conseguiu um banho pra gente. Gelaaaaaado.
Guaramiranga,
No passado foi uma das primeiras cidades brasileiras a produzir café e acolheu muitosrefugiados das grandes secas do sertão brasileiro do século XVIII. Atualmente, o turismo tem se consolidado como principal atividade econômica da região. Os eventos culturais se sucedem durante o ano inteiro: Festival de Jazz e Blues, em fevereiro; Guaramiranga em Férias, julho; Festival Nordestino de Teatro, setembro; Festival de Gastronomia, outubro; Festival de Vinhos, novembro; Guramiranga: Natal, Luz e Festival da Cerveja, em dezembro.
Além disso, belas paisagens, muitas flores, bonsrestaurantes (comida francesa, italiana e alemã), pousadas aconchegantes, e um cenário cultural que remonta ao século passado quando as famílias tradicionais de Fortaleza encenavam peças e organizavam recitais enquanto veraneavam na cidade, como relata Rachel de Queiróz em uma de suas obras, fazem de Guaramiranga uma cidade aprazível e romântica. Simplesmente apaixonante.
O 10º FESTIVAL DE JAZZ E BLUES GUARAMIRANGA
O evento de grande porte é organizado pela “Via de Comunicação e Cultura” e “Diário do Nordeste”, com apoio dos governos federal, estadual e municipal e patrocínio de grandes empresas. A
direção é de Maria Memede e Rachel Gadelha que coordena uma equipe de mais desetenta pessoas.
A programação do evento está distribuída pela cidade com apresentações gratuitas e paga, no Teatro Rachel de Queiroz (400 luga
res, com p
reços salgados, direito à meia-entrada com carteira de estudante); Quadra Municipal; escolas e ruas da cidade.
Durante o festival rolam ensaios abertos com os principais convidados do evento,
shows de novos talentos, as imperdíveis Jam Sessions que começam meia-noite na Quadra Municipal, oficinas e bate-papo com músicos consagrados e os cortejos, geralmente às 17 horas que levam boa música e diversão pelas ruas da
cidade.
Esse ano o festival homenageou Dominguinhos, mas a programação esquentou com as presenças de César Camargo Mariano; Ná Ozzeti; Arthur Maia, Dixie Square Jazz Band, Paulo Meyer (pioneiro do blues no Brasil), Lanny Gordin, Beale Stret, Timbral e Toots Thielmans.
Além disso, pelos cantos da cidade era comum se esbarrar com uma galera fazendo um som casual de primeira.
Fotos: Novos Talentos da Ong Verde Vida (Crato-CE); Timbral (CE); galera na rua fazendo um som e Jam Seassion (Jeferson Gonçalves (CE) na gaita e a guitarra do Beale Street do RJ )
NA OZZETTI - A VOZ E O REQUINTE
Na estrada a muito tempo, a cantora e compositora paulista é da mesma safra que Tetê Spindola e Itamar Assumpção. Também participou e ganhou uma edição do Festival da Música Brasileira promovido pela Rede Globo em 2000. “Dona de um timbre de voz inconfundível, ela canta com o corpo e com a alma”. Como pude demorar tanto para conhecer “a voz”. Noensaio aberto, estendido por cortesia, no show sofisticado, o repertório de Carmem Miranda, Ary Barroso, Rita Lee, Itamara Assunção, parceria com Zélia Duncam, imperou o requite. Do seu rico e variado repertório indico a faixa Capitu que fechou sua apresentação no festival. Valeu a pena viajar tanto para curtir o show e conhecer de perto esse encanto de pessoa.(Foto: Sérgio Reze, Marcus Saldanha, Ná Ozzeti, Ângela Galvão e Mário Manga)
O DOCE GOSTO DE UMA SAUDADE
O regresso foi pelo lado inverso da serra do baturité, passando pelos Jesuítas, em Baturité, Redenção (onde vistamos o inesperado Museu do Negro Liberto, Tianguá, Viçosa (com paradinha tradicional na Casa dos Licores), almoço na churrascaria Canaã, na estrada de Brejo até São Luís.
Saímos de Guaramiranga com o doce gosto de saudade e um chocolate quente a mais para aquecer o coração, o corpo e a mente para que permaneçam são até o ano que vem.(Foto: Empório do Chocolate no centro de Guaramiranga)
Na visita aos Jesuítas, 14 km de Baturité conhecemos um pouco da história da Companhia de Jesus no nordeste do Brasil.
Construído a partir de 1922 no antigo sítio Olho D´agua no então decadente município de Baturité, com pedra fundamental do Colégio Jesuíta colonial de Aquiraz, o prédioinaugurado em 15 de agosto de1927 serviu como escola apostólica formando religiosos até recentemente.
Em 1933 recebeu a visita de Getúlio Vargas, por motivo da seca de 1932. Nesse mesmo período respirou ares do integralismo brasileiro. Sofreu com a crise financeira oriunda da Segunda Guerra Mundial, pois muitos pais não puderam pagar a anuidade dos estudos de seus filhos, em torno de mil contos de réis e viveu a polêmica na imprensa cearense ebrasileira na ocasião de sua construção, devido ao lugar e a admissão de alunos que a princípios seriam brancos e de boa aparência, orientação que foi mudada antes de ser colocada em prática.
Além do prédio vale a pena visitar a capela, com destaque para o mural dos 40 mátires jesuítas mortos na época dos Descobrimentos Portugueses, beber da água de Santo Inácio e conhecer um pouco da história dos jesuítas, com imagens e biografias expostas nos corredores do colégio.
Atualmente é utilizado para retiros espirituais e atende hóspedes com reservas atencipadas.
Para ir mais longe:
O xerocado do Doutor em História da América Latina pela The Catolic University of America: A Missão Portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste (1911-1936). Pe. Ferdinand Azevedo. Recife. Fundação Antônio dos Santos Abranches-Fasa.1986.
O MUSEU DO NEGRO LIBERTO
A 50 kilômetros de Fortaleza, outra inesperada surpresa, Museu Senzala do Negro Liberto, as margens da CE-060,
A cidade, carrega a fama de ter libertado seus escravos cinco anos antes da abolição
de 1888 pela princesa Isabel. Evento que contou com a presença de nomes como o de José do Patrocínio em 1883.
Na fazenda, a cachaça Douradinha foi produzida pelos escravos a partir de 1873, continuou com os libertos e se modernizou com o engenho a vapor que funionou por 13 anos desde 1913.
Atualmente, o engenho industrial funciona na época da safra da cana-de-açúcar no Ceará, no período de agosto a dezembro e ainda produz de
Mais o que vale da visita é a Casa Grande e a Senzala. Na exposição com instalações simples e pouco estrurada, Vê-se objetos inusitados como a cabeça de boi de 1959 utilizada pelos coronéis para guardar a cachaça e um grande acervo histórico tais como, caneta bico depena com a escritura das terras da fazenda de 1885 vendida após a bolição e escravos na região, o piso de mosaico português original do século XVII, instrumentos de suplícios, gargalheiras (utlizadas a partir das 5 horas da manhã, quando tocava o sino para início do trabalho, instrumento odontológico utilizado para tortura, cristaleira e um quarto com mobília de 1930, e uma cozinha com um fogão a le
nha onde uma escrava teria sido queimada viva.
Nada como estar no local dos fatos. A sensação dentro de uma senzala é de angústia. Não havia banheiros (faziam as necessidades em folhas de bananeiras, dentro da senzala), iluminação, nem local para dormir. Anda-se por dentro agachado e iluminado por uma lanterna da guia. Além dos objetos de suplício, impressiona o local da solitária. Mal cabe uma pessoa. Chocante também um local com três gargalheiras onde segundo a guia, colocava-se pai, esposa e filho por duas horas para que a disciplina e o medo fosse passado para a família inteira.
Após a Lei Eusébio de Queiróz em 1850, que extingui o Tráfico Negreiro, escravos da canela fina eram escolhidos para a reprodução de novos escravos. Na visão dos Senhores
, estes eram mais aptos ao trabalho. Nessa condição, esses escravos ganhavam tratamento diferenciado, mas não justo.
Interessante também, visualizar a senzala das Mucamas. De
Entre o piso da Casa e a senzala as Mucamas passavam açúcar para calar a boca dos bebês que choravam durante à noite e corriam o risco de serem castigadas pelos amos.
Pode-se ver além do maquinário, da Casa Grande e da Senzala as plantações de cana-de-açúcar que em outros tempos, na época da antiga vila de Acarape (que significa “cala a boca), tinha um gosto amargo de dor, crueldade e humilhação de um povo. Mas hoje, em Redenção vira momento de reflexão do que nós seres humanos já fomos capazes de fazer com o nosso semelhante.
Dizem por lá, que Ceará Terra do Sol, remete à liberdade conquistada cinco anos antes da abolição oficial. Gosto mais ainda dessa luz do Ceará agora.
Por motivos óbvios em 2010 Redenção será a sede da Universidade Federal de Integração Luso-AfroBrasileira com abertura de mais de 2 mil vagas para alunos do Brasil, Portugal, África, Timor Leste e Macau.
A CASA DOS LICORES
Desde
Impossível não se sentir em casa com a hospitalidade de Dona Terezinha que pela lateral da casa nos convida a entrar pela cozinha onde tudo é feito e adentrar pela a sala onde pode-se experimentar umpouco de tudo à vontade, ouvindo Seu Alfredo tocar seu pife, e com muita sorte, acompanhado de sua filha Tereza Cristina no vocal. (Momentos raros que devem ser desfrutados plenamente).
Pela terceira vez, passando pela casa de Seu Alfredo, pergunto a jovem atendente da casa:
- Como é a vida em Viçosa do Ceará?
A jovem atendente pergunta: - Você faz o quê?
- Sou professor, respondo.
- A vida aqui é muito boa.
O clima é gostoso e vai ter concurso para professor no Ceará. Li que o deputado petista Arthur Bruno tenta aprovar um projeto na Câmara para que além da prova escrita os professores sejam submetidos a prova didática.
É hora de voltar para casa.