A história de uma mãe solteira no Maranhão de tempos atrás
Texto e fotos: Marcus Saldanha

Quem visita o povoado de Tutóia Velha, 12 km da sede, na região do Baixo Parnaíba, vai se deparar com um paraíso ecológico. Lugar pacato formado por lagoas, igarapés e dunas, com aproximadamente 700 moradores, uma igreja católica com bens materiais tombados pelo Patrimônio Histórico e Artístico Estadual, uma praça discreta, um Salão Paroquial e uma casa verde com arquitetura estilo Petrópolis, datada de 1948 que se destaca em meio a tantas construções humildes.
Quem se detiver mais tempo na localidade, principal acesso entre as cidades de Tutóia, Paulino Neves e Barreirinhas poderá visitar a casa da finada Honorina Canavieira. Seu nome está gravado na fachada do Salão Paroquial, uma homenagem ao zelo que teve pela Igreja de Nossa Senhora da Conceição e por aquela comunidade em seus últimos anos de vida.
Para os atuais moradores de Tutóia Velha, dona Honorina foi exemplo de mulher e mãe. Com muita dificuldade fez o improvável: formou dois filhos advogados em universidade pública do Rio de Janeiro.
O que pouca gente sabe é o outro lado da história desta dedicada mãe, que se revelou um personagem marcante no universo maranhense feminino das décadas de 30, 40 e 50 do século XX. A partir do recurso da memória oral, foi possível traçar o perfil de Honorina Canavieira.
Em Tutóia Velha - Entrevistando o irmão de Honorina, Seu Antônio Vicêncio, 101 anos, um dos mais velhos moradores daquela região, descobre-se que essa mulher, na juventude foi uma das moças mais cobiçada daquelas redondezas, despertando o desejo do então todo poderoso e casado coronel Paulino Neves.
A relação adúltera, uma gravidez indesejada e a expulsão da cidade pela família não lhe permitiram ver em 1938 a mudança da sede do município para a nova Tutóia e o desenvolvimento de uma próspera região portuária exportadora de sal desbravada por Paulino Neves. Tutóia Velha é praticamente abandonada pelos antigos moradores.
Por esses tempos, Honorina, já não andava por aquelas bandas. Segundo seu irmão, após o relacionamento extra-conjugal, a jovem, ameaçada pela esposa do coronel, partiu da cidade, levando consigo o quase nada que tinha.
Constam nas correspondências que manteve com Seu Antônio Vicêncio, guardadas com certo desleixo, o registro da passagem de Honorina por Manaus, Belém e o seu estabelecimento na cidade de São Luís. Mãe solteira, virou prostituta e em alguns anos, dona de um bem freqüentado bordel na região da antiga zona do baixo meretrício de São Luís.
Seu Antônio Vicêncio, ao narrar a história, ressalva: “não era uma casa qualquer, chofer não entrava lá não”. Uma referência ao padrão social e econômico dos clientes da casa de Honorina. O relato coincide com o de antigos freqüentadores da região e do proprietário dos imóveis na área que falam de uma mulher bonita, de personalidade forte e que honrava sem atraso seus compromissos financeiros. A casa era freqüentada só por graúdos, dizem.
Com o dinheiro ganho na “vida” e nos negócios que manteve por décadas em São Luís pagou os estudos e as despesas dos dois filhos que teve solteira. Valendo-se dos contatos que fez no exercício da profissão mandou os filhos estudar na antiga Capital Federal. Seu Antônio Vicêncio enfatiza a promessa que ouviu de sua irmã quando a visitou em São Luís. Dizia que deixava a vida, quando formasse bacharel os dois filhos.
Mandava regularmente dinheiro para a família e antes da sua anunciada “aposentadoria”, cuidou de comprar um terreno localizado na praça central de Tutóia Velha e erguer uma casa de destaque naquele povoado. Contratou um mestre de obras que havia trabalhado em Petrópolis para construir sua residência naquela cidade.

E foi lá, que tendo formado em Direito os dois filhos, Honorina recolheu-se do seu passado na capital. De lá teve notícias dos filhos aprovados em concursos públicos e assumindo cargos de destaque no Rio de Janeiro.
Em Tutóia Velha ela viveu seus últimos anos, na calmaria de uma cidade pequena, num ambiente confortável, amparada pelos filhos que de longe cuidavam dos mantimentos e despesas gerais da casa.
Em pouco tempo dona Honorina, como era chamada pelos seus vizinhos, ganhou o respeito da comunidade ao zelar pela igreja, cuidar da educação de iletrados, do seu jardim e pomar. E, sobretudo, por ter mantido uma vida casta de senhora solteira.
Algumas vezes recebeu a visita de seus filhos “doutores”, mas na maioria das vezes sua casa manteve-se aberta somente aos vizinhos, amigos e viajantes que pernoitavam naquele povoado. Hospitaleira e gentil, cuidou e foi cuidada por aquela gente, cujo pais a forçaram por seus julgamentos morais e valores da época a ir embora.
Dona Honorina nunca pensou em vingança, diz seu irmão que concede a entrevista ali no sofá da velha casa, que guarda mobília velha, empoeirada, além de algumas fotografias dos filhos, um dos quais já é falecido.
Na parede ou nos seus cômodos nada lembra a antiga vida de Honorina Canavieira. No quarto, o antigo toucador, peça da mobília feminina, usada para se pentear e maquiar desperta a imaginação.
Honorina Canaviera viveu como pôde, como quis. Fez o que pôde, o que uma mãe deve fazer. Deu um futuro aos filhos. Se seus filhos e netos têm orgulho dessa história, não se sabe. Algumas perguntas não devem ser feitas, mesmo na busca de fatos para se compor uma boa história. Pela ocasião do Dia das Mães, consta que foi a melhor que seus filhos poderiam ter tido naquelas circunstâncias. Naquele lugar.
Texto escrito por ocasião do Dia das Mães e publicado no Jornal Pequeno no dia 14 de maio de 2010.